domingo, 27 de junho de 2010

A Máquina do Tempo

 Chegaram-nos esta semana notícias sobre a cronologia do antigo Egipto. As datas que se encontraram não foram estabelecidas com base em documentos nem em monumentos. Foram obtidas através de restos de objectos muito mais prosaicos: plantas.
Num artigo publicado na "Science", um grupo de investigadores de Inglaterra, França, Áustria e Israel obteve datações de sementes, têxteis e frutos associados a diversos reinados do antigo Egipto. 

No total, foram analisadas 211 amostras provenientes de vários museus. Os resultados confirmaram algumas hipóteses estabelecidas pelos historiadores e questionaram outras. As maiores novidades referem-se ao chamado Reino Antigo, em que se encontraram datas anteriores às anteriormente assumidas. Sendo assim, o Novo Reino, que anteriormente se pensava ter começado cerca de 1500 anos a.C., tem agora data estimada de início entre 1720 e 1640 a.C.
A leitura do artigo da "Science" e do comentário que aparece na mesma revista (p. 1489), impressiona por mostrar o papel que a física e a geologia têm para a arqueologia moderna. As datas são discutidas relacionando os vestígios da erupção de Santorini (c. 1600 a.C.), cronologias diversas de artefactos em Creta e datações de restos orgânicos através do carbono 14.

Esta última técnica foi desenvolvida pelo químico norte-americano Willard Libby, que a propôs em 1949. Como se sabe, o carbono tem vários isótopos. Este elemento, que tem sempre seis protões no seu núcleo e portanto seis electrões em órbita, pode ter um número diverso de neutrões. Recebe um número conforme o total de protões e neutrões que possui. Existem dois isótopos estáveis, o carbono 12 e o 13, e um instável, o carbono 14. Este último desintegra-se constantemente, gerando azoto, um electrão e um antineutrino.
Os isótopos estáveis são muito abundantes, enquanto do radioactivo se registam apenas vestígios. No entanto, apesar de o carbono 14 ser instável, a fracção deste isótopo na atmosfera tem permanecido relativamente constante, dada a sua criação permanente por acção de raios cósmicos.
Os seres vivos incorporam constantemente o carbono e, portanto, têm uma fracção de carbono 14 derivada da que se encontra na atmosfera. Quando morrem, contudo, o ciclo interrompe-se e o isótopo radioactivo vai decaindo a uma taxa constante. É um fenómeno físico muito curioso. Cada átomo radioactivo tem, em cada intervalo de tempo, uma probabilidade determinada de se desintegrar. 


Nunca se sabe o que vai acontecer a cada átomo em particular. Mas, tomando um número elevado de átomos, como o que existe em qualquer resto visível de planta, mesmo que diminuto, o decaimento segue uma lei muito regular. Em cada 5730 anos, metade dos átomos de carbono 14 desintegra-se. De onde resulta que, medindo a percentagem desse isótopo radioactivo que existe em cada amostra de carbono, pode-se estimar há quantos anos o animal ou a planta deixou de absorver carbono da atmosfera, ou seja, há quantos anos morreu.
Segundo o que agora se descobriu, as plantas dos faraós do antigo reino morreram há mais anos do que anteriormente se pensava.
Nuno Crato, in Expresso de 19 de Junho de 2010

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