Para isto dos nossos amores, de entender bem o porquê dos nossos amores, fazemos imensas perguntas existenciais quando somos mais novos e depois se tivermos juízo, ao longo da vida e sempre que coisas estranhas voltem a acontecer, aprendemos a deixar-nos levar, caladinhos que nem um rato e a ouvir de joelhos o Chet Baker. O Chet Baker que sabia muito bem o que é ficar sem Norte. O amor passa a ser, para nosso bem, igualzinho àquela música, uma espécie de Let´s get lost , isto é, um vale tudo menos tirar olhos.
Quem ama como deve ser, sabe que o amor é bom quando é uma perdição, quando o amor é uma gula e um desejo e uma luxúria e preguiça e vaidade e é também mais coisas que as palavras não dizem, mas que devem estar todas naquela representação do Bosch dos Sete Pecados Capitais.
Uma vez, um amigo meu disse-me que eu precisava ser mais organizadinha na minha escrita. Sei que sim, mas como ainda não sou, terão o direito de achar que estou maluca, se vos disser que também posso morrer de vontade de uma feijoada da mesma maneira e tanto, como morro de vontade de alguém de quem goste, principalmente se estou a fazer dieta. Pessoas bem amadas comem que se desunham, ou então não comem nada, mas andam sempre muito, muito felizes. E a felicidade é uma coisa que interessa tanto como o excesso e o excesso não se compadece com dietas e as pessoas que fazem dietas- e bebem Coca Zero - são as mesmas que dizem que não são ciumentas.
Pronto, finalmente chegámos. E alguém que não ande a tomar comprimidos estará interessado em pessoas que dizem, normalmente muito alto: Ai eu cá não sou ciumenta(o?). Olhem, então na minha vida é assim: Quem não for excessivo a comer e no amor pode sair logo. E quem não tiver já morrido de ciúmes muitas vezes na vida, e quem não for ficar verde de ciúmes meus, ora essa, idem.
O amor não é uma coisa light nem limpinha. O amor não obedece aos controleiros da ASAE. Eu quero ciúmes e cenas para depois fazer as pazes com o meu amor. Pessoínhas muito politicamente correctas, que bebem Coca Zero e comem saladas são imediatamente empandeiradas. E isto não se trata de um fundamentalismo bacoco. Acontece-me. Sou assim. Acabo sempre a morrer de ciúmes dos excessivos e comilões. Os que no amor navegam sem bússola e gostam de carne em sangue. Os que choram baba e ranho e andam sempre com Kleenexes porque complicam tudo e se angustiam com a quantidade de outros seres maravilhosos, lindos e interessantes que cruzam as nossas vidas diariamente.
Normalmente os muito ciumentos, como eu, têm um problema. Aliás têm vários. Mas o principal é a mistura explosiva de egotismo, insegurança e imaginação. Que nos torna especialmente nojentinhos e tortuosos e com dores que normalmente vão desde as articulações à raiz dos cabelos.
O Caetano Veloso, ciumento confesso explica tudo muito bem explicadinho nos versos daquela outra música brilhante, cantada pela Elza Soares (olha outra), O ciúme dói nos cotovelos, na raiz dos cabelos, gela a sola dos pés e depois ainda completa com uma tal de luz branca que se acende no umbigo. Ora todos nós, ciumentos confessos, sabemos muito bem o que é essa luzinha branca esquisita, que se acende no nosso umbigo egocêntrico, quando estamos à beira de uma avalanche de ciúmes. E não é bom, não é, não é, não é. É horrível, incapacitante e burro. Se há coisa que o ciúme é, é burro.
Outro dia, atacadíssima, acabei a deambular pela Avenida Ataúlfo de Paiva, às 23.42 h, sem querer saber dos pivetes que tentavam, com dedicação sem precedentes, parar-me para me engraxar as Havaianas. Nem desconfiei, quis lá saber que fosse humanamente impossível engraxar Havaianas, maluca de todo, porque o meu amor se estava a apaixonar, notem, se estava a apaixonar - o problema não era ele já estar apaixonado, era o caminho, o estar a, o momento espectacular em que se está quase, e a beber gins tónicos, mas ainda não – por outra alminha. E o pior é que era uma alminha gira, inteligente e com mamas verdadeiras e na minha cabeça deviam estar já a discutir, há uma hora e tal, a vanguarda cinematográfica dos anos 20 e O Couraçado Potemkin, do Eisenstein, o que só os poderia levar a um lugar qualquer com uma cama redonda com colchão de água, uma vista espectacular para o Oceano Atlântico e as Ilhas Cagarras. Tenho dias que não me aguento... Será que a Carla Bruni é ciumenta?
Publicado na revista do i, Nós Ciumentos
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